2 de outubro de 2010

Um ato inesperado




Era um domingo de fevereiro. Já passavam das oito da noite quando cheguei em casa depois do estágio. Ao deixar minha bolsa tipicamente no sofá fui até a cozinha beber um pouco de água. Foi quando avistei, bem ali, no meio da mesa, uma pilha de caderninhos de brochura de capa dura. Um verde, um azul, e dois com desenhos de carro de corrida. Sobre a pilha, havia uma caixa de lápis de cor de doze cores. As doze cores não eram as que eu esperava ver, mas acho que é porque era uma marca nova, mas que parecia ser boa. Substituindo o bege, o vinho e o rosa salmon, havia um roxo, um branco (que pra mim é inútil), e um rosa pink desbotado. O azul escuro estava mais para azul marinho. Mas ainda assim os verdes, o azul claro, o laranja, o vermelho, o amarelo e o marrom permaneciam da mesma forma como eu os conhecia. Ao lado da caixa de cor, havia um estojo roliço de plástico com algumas faixas coloridas.

Logo me lembrei que o início das minhas aulas estava próximo, e aquele provavelmente deveria ser o material escolar do meu irmão de sete anos. De repente, um sentimento nostálgico tomou conta de mim e me lembrei das vezes em que ia comprar meu material com minha mãe. “Mãe, compra uma mochila de carrinho?” “É muito cara menina” “Mas olha essa que bonita, é daquele desenho que você assiste, Sailor Moon.” “Mãe, compra



lápis de cor de vinte e quatro cores?” “Mas você ainda tem inteirinhos aqueles de trinta e seis que comprei o ano passado!” “Ah, então compra aquele de cores metálicas? E aquele que vem com pincel para pintar a folha igual tinta, acho que é aquarela o nome?!” “Não, é muito caro! Você tem um monte de lápis de cor menina!” “Mãe, eu vi um fichário tão lindo das Meninas Super Poderosas!” “Mas você não tem aquele outro novinho do Mickey ainda?” “Mãe!”

O ano passado eu mesma já tinha comprado meu material para o primeiro semestre da faculdade, pois já trabalhava. Na verdade, com o dinheiro da pensão que recebia do meu pai sempre acabava comprando algo considerado futilidade para minha mãe. Mas era ela quem sempre me acompanhava às papelarias e comprava tudo o que a professora tinha colocado na lista ou (depois quando não tinha mais lista) tudo o que eu precisava. E toda vez que chegava em casa com minhas coisas novinhas, passava horas arrumando e desarrumando tudo, só para olhar mais uma vez a capa dos meus cadernos, contar todos os lápis de cor, conferir todos os zíperes da minha mochila ou mesmo ficar andando de um canto da casa para o outro com tudo na mão como um “test drive”. Mas foi só no momento em que vi as coisas do meu irmão sobre a mesa que parei para me tocar da mudança. Eu já não devia importunar minha mãe. Já não devia ficar pedindo para ela comprar minhas coisas preferidas, não mais... Já sou menina crescida, estou na faculdade, fazendo estágio e ganhando meu próprio dinheiro e seria um absurdo incomodá-la. Mesmo assim, gostaria que ela continuasse indo comigo as papelarias, para não perder o costume, só para ter sua companhia...

Sabia que esse semestre eu também iria comprar minhas coisas, mas ainda assim tinha a esperança de ganhar alguma coisa dela, uma borracha que fosse. Fui até a sala, me sentei no sofá de frente pra ela, quando sua voz atravessou o som da TV. “Viu o material que eu comprei pro Xandinho?” “Vi mãe, legal. Você comprou alguma caneta pra mim?” Foi quando a resposta que eu já esperava, mas que eu não queria ouvir me chegou aos ouvidos. “Eu? Claro que não! Você está trabalhando e agora compra suas próprias coisas! “É, vou te falir com duas canetas né?!” Foi a última frase que disse resmungando e ficando emburrada. Ela não retrucou.

Não restava nada a fazer, a não ser me dar um beliscão psicológico. Estava na hora de me acostumar com isso. Já não sou mais adolescente, tampouco uma criança para esperar que minha mãe se preocupe com meu material escolar. Não que ela não se preocupe mais comigo, só que as preocupações são outras: Terminar a faculdade, me efetivar no estágio, ter um bom namorado, meu carro e esse blá blá blá que uma mãe pensa para um filho jovem.

Então, fui para o meu quarto, mais conformada, arrumar minhas coisas para o dia seguinte. Ao ascender a luz, meus olhos se fixaram imediatamente em algo que me fez congelar por um instante. Minha irmã veio correndo para o quarto como alguém que esperava ansiosamente por minha reação. Obriguei minhas pernas a se mexerem e fui em direção ao objeto. Estava ali, na minha cama, na frente do meu travesseiro entre meus ursos de pelúcia. Devia ter uns quinze centímetros, xadrez, mesclando tons pastéis de laranja e marrom, com faixas brancas conferindo uma delicadeza. No zíper, havia um chaveirinho feito de elástico verde e umas pedras de cor creme e preta que formavam um pequeno bonequinho. Era um belo estojinho de canetas. Quando o abri, encontrei uma caneta azul, outra preta, um lápis, uma borracha e um apontador de cor laranja, combinando com o estojo. Enrolado discretamente no canto, havia também um pequenino bilhete guardando vinte reais que dizia:

“Bruna

Espero que goste da bolsinha que comprei pra você. O dinheiro é para você comprar seu caderno ou bloco de fichário. Beijos

Sua eternamente

Mãe!”

Senti um aperto no coração e percebi que meus olhos estavam ardendo. Estava sem piscar, mas se fizesse alguma lágrima, me entregaria. Quando consegui me virar, vi minha irmã com um largo sorriso pra mim, e logo ela estava pulando em minha direção e me abraçando. A única coisa que consegui murmurar foi: “Ai que mãe pentelha”. E então fui agradecer minha mãe. Ela estava na cozinha e logo escutei minha irmã lhe adiantando minha reação. Quando a vi, repeti mais uma vez baixinho com um sorriso sem graça: “Sua pentelha”. E quando percebi, ela já estava me abraçando e beijando minha bochecha. “Viu só? Comprei até o apontadorzinho e a borracha combinando! Você gostou?” “Gostei sim, mãe, obrigada.”

Em seguida, busquei minha toalha correndo, e me enfiei no banheiro para tomar um banho. Meus olhos já estavam queimando, mas logo minhas lágrimas estavam se camuflando na água morna do chuveiro.


2010

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